
Conto nos dedos a quantidade de pessoas com quem conversei desde o início do período da pandemia que não tenha me falado do medo. Para além do medo da morte e da própria doença causada pelo vírus, percebo que são medos variados, tem os antigos, os novos, os potencializados.
Eu confesso que na montanha russa das emoções que fazem do meu tempo de isolamento um sobe e desce bem diversificado, o medo está sentado no carrinho da frente. Mas o encaro como necessário, como instinto de sobrevivência, pra não nos atirarmos inconsequentes em penhascos reais ou imaginários.
Acho que tenho com o medo uma relação de respeito e certo distanciamento, quase nunca de imobilização. Talvez porque percursos incertos, inseguros e que me exigiram entrega, adaptação e coragem não são novidades pra mim.
Obvio que não me sinto inatingível e sei dos riscos de lidar com um cenário tão incerto, mas acho que consigo encarar o medo de forma objetiva.
No caso da pandemia, aceitei com facilidade que não havia outro jeito senão o distanciamento social, me informei sobre como me proteger, absorvi que é temporário e necessário e sigo em frente, vivendo meus processos internos e tomando as medidas que a vida prática continua me exigindo.
Não menosprezo a pandemia mas também não a supervalorizo a ponto de dar a ela poder de bagunçar meu interior e meu racional. Me parece claro o que depende de mim, como faço a minha parte, o que e como devo cuidar, quais atitudes tenho que tomar para viver bem com as limitações e perigos que estão impostos.
Claro que entendo que isso mudaria se eu tivesse alguém próximo infectado e sofrendo as graves consequências dessa doença. Por hora, ainda vejo esse período como uma pausa necessária, a que fomos todos obrigados, mas da qual temos que tentar sair melhores do que entramos.
Tenho a sorte de conseguir exercer meu trabalho de casa, de as crianças terem aulas on line e tarefas da escola diariamente, de conversar virtualmente com muitos amigos, de ter saúde para fazer todas as tarefas domésticas e cozinhar as nossas refeições, de ter certa paz para ler, refletir, estudar, manter uma rotina razoavelmente organizada e compartilhar muitos momentos valiosos com a família.
Tenho compaixão pelos que não possuem as mesmas condições que eu, sei que são muitos, e para estes faço doações e orações. Embora não seja fácil, nos momentos mais tensos, quando a coragem precisa ser alimentada e o coração acalmado, respiro fundo, medito, me exercito e tento controlar a ansiedade, a saudade e a angústia.
Deixo do lado de fora da porta de casa tanto os sapatos quanto o pessimismo. Cada vez que lavo as mãos preencho os obrigatórios 20 segundos com uma prece e um agradecimento e assim aproveito o momento para higienizar também a alma.
E passados já tantos dias de sei lá quantos que ainda estão por vir, para seguir enfrentando o medo de um inimigo invisível e tão desconhecido, não achei ainda máscara que proteja melhor que a gratidão e nem álcool que limpe mais do que a fé.
Stella Maris – jun/2020